A crise da saúde
pública tem sido uma grande preocupação da nossa população, que em
recentes pesquisas apontou como prioridade a ser assumida pelos futuros
governos. Além de negarem o que está ocorrendo, os governantes anunciam
supostas melhorias no setor, fazendo-nos lembrar dois personagens do
humorista Chico Anysio: o coronel Pantaleão e sua companheira Terta. Ao
revelar situações absurdas, ele perguntava: “É mentira, Terta?”. E ela
respondia: “Verdade!”. O recente incêndio no Hospital Estadual Pedro II,
em Santa Cruz, trouxe à tona, mais uma vez, a irresponsabilidade dos
gestores, que, mesmo sem explicarem as causas do ocorrido,
intempestivamente determinaram o seu fechamento, o que causou enorme
prejuízo à população. Além de sobrecarregar os já sobrecarregados
hospitais das proximidades, o governo anunciou a entrega do Pedro II ao
município, que por sua vez já determinou o seu repasse a uma empresa
privada que irá geri-lo. Felizmente, o Conselho Municipal de Saúde,
entendendo que não há justificativa para o seu fechamento, determinou a
anulação deste procedimento e obrigou o Estado a reabri-lo para somente
depois voltar a discutir a possibilidade da sua municipalização. Outro
hospital da mesma rede, o Albert Schweitzer, passou por situação similar
e, na ocasião, o governo alugou um gerador e não interrompeu o
atendimento.
Parece que, ao invés de abrir, a ordem é fechar
leitos. Depois do Iaserj e dos seus ambulatórios, fecharam o Instituto
Estadual de Infectologia São Sebastião, em plena epidemia de dengue, que
registrou número elevado de mortes. Há vários meses e silenciosamente,
outro hospital estadual, o Carlos Chagas, vem sendo fechado
gradativamente, ao fazer cair o número de atendimentos, há alguns anos
de 25 a 30 mil pacientes/mês para aproximadamente 2.500. O mais
estarrecedor é que no passado, com número dez vezes maior de pacientes
atendidos, eram registradas em média 180 mortes por mês e, hoje, este
número é o mesmo, apesar da redução de atendimentos, devido a sua
desativação progressiva e à perda de qualidade no atendimento. Já as
UPAs, meninas dos olhos dos nossos governantes, estão quase todas
desfalcadas de médicos e não funcionam, levando a população a passar até
seis horas esperando atendimento, o que, além de ser um grave
desrespeito, compromete seriamente o prognóstico dos pacientes. As
internações não têm o acompanhamento devido, e o que deveria ser uma
permanência de no máximo 48 horas, por falta de leitos na rede passa a
ser de vários dias. Aliás, como não houve investimento na criação de
novos leitos e centenas foram fechados, este passou a ser um dos mais
graves problemas da crise. A situação é pior quando se trata de leitos
de terapia intensiva, pois, em relação aos demais, o chão e os
corredores dos hospitais têm sido frequentemente utilizados. Não sabemos
se, por ironia, surgiu uma nova classificação para essas novas
“enfermarias”, agora chamadas de “corredores assistidos”. Assistidos por
quem? Muitos destes pacientes acabam morrendo por falta de condições de
atendimento, existindo indícios de homicídio doloso, o que cabe ao
Ministério Público esclarecer.
A epidemia da falta de médicos está
também no sistema móvel de atendimento. São inúmeras as denúncias de
que ambulâncias circulam com pacientes em estado grave, acompanhados por
cabos e sargentos, que evidentemente não possuem a devida habilitação. A
chegada de ambulâncias com pacientes graves a unidades que já estão
superlotadas de pessoas na mesma situação tem submetido os médicos a
grande tensão para decidir sobre as internações – o que não é da sua
responsabilidade mas, sim, das autoridades. Nestes casos, têm sido
frequentes as ameaças de prisão de médicos plantonistas nos hospitais.
Tais ameaças parecem ter sido superadas com a recente portaria da
Secretaria de Segurança Pública, que proibiu a condução de qualquer
médico para delegacias policiais durante a jornada de trabalho.
Outro
ponto de igual gravidade na crise é a falência da política de recursos
humanos. Erradicaram do sistema o concurso público, optando pela
terceirização, que colide com a Constituição federal. Paga salários
quatro vezes maiores que os dos servidores públicos e não corrige o
déficit. Isso estabelece a discriminação salarial, secundariza a
aferição de competência e faz crescer avassaladoramente a inexperiência
profissional. Esse processo seletivo é extremamente fragilizado, além de
facilitar o ingresso de falsos profissionais. Tudo isso só acontece
devido à opção política das nossas autoridades de trilhar os caminhos da
ilegalidade. Esperamos que o STF, prestes a julgar várias ações sobre o
assunto, reconheça a ilegalidade de tal projeto.
Jorge Darze
*Presidente do Sindicato dos Médicos do RJ
Você quer saber mais?